terça-feira, 1 de junho de 2010

LABORATÓRIO DE TEATRO DE RUA



“A rua é a casa, a casa é a rua,
nos corpos,
a realidade impressa,
nua e crua.”
Por thiago Araújo
1.0 Descrição :

Proposta Laboratório com abordagem especial ao conceito e a experiência performática aliada a ocupação cênica de espaços públicos e alternativos, dentro de uma premissa de construção da presença do ator a partir da perspectiva de potencialização das reações instantâneas e de estimulo ao improviso.Consiste basicamente em realizar jogos que promovam a disponibilidade dos corpos e o estimulo a criação de cenas e ou ações dentro das noções de performance e teatro de rua .
Laboratorio de Teatro de Rua

I módulo abertura dia 8 de junho encerramento 8 de julho )
terças e quintas de 14:00 as 17:30
participação gratuita, contribuições espontâneas
ver proposta detalhada no blog www.palhacopindaiba.blogspot.com ou ( coloque o nome correto do blog )
Realização:
Oca - Organização de Cênicos Amadores e Pindaiba Produções
Local : Lagoa do Nado - terças galpão multiuso e quintas teatro de arena
Informações :
Thiago Araujo
31 87061688
Palhaço e Antropólogo
www.palhacopindaiba.blogspot.com


2.0 Sobre Performance

Performance é um termo bastante genérico que designa movimento e desempenho, contudo em teatro, performance trás um sentido de fusão de linguagens, intertextualidades em experimentação, discernimento do fazer em detrimento da representação da ação( Artaud), algo como o rompimento com o real, em busca do presente.
Oferece também uma outra qualidade de atenção, onde ator e espectador vão construir juntos a ação cênica, hipérboles e inversões que confrontam o espectador com o fazer , a performatividade para fora do personagem ( Sheckner).Existe um sentido concebido, contudo sem ser tão determinista quanto se espera. São momentos em que se confrontam o risco real e a surpresa do risco, acontecimentalidade, abertura do processo, ludicidade do acontecimento.
Derrida insere ainda a noção de sucesso e fracasso, porque a obra performativa pode ou não atingir o sentido visado. Portanto, o teatro trás este avanço ao conceito de performatividade, o valor do risco explicito, o fracasso, a presença de idéias/força no cerne da obra, adaptação continua e subversão de signos, fuga a representação mimética, dentro e fora da representação, desconstroi sentido, signo, linguagem, abre espaço para ver o sentido surgir no presente, a força criadora, que distorce as imagens para dizer outra coisa, o teatro performativo portanto amplia para a simultaneidade, para uma ludicidade capaz de se contradizer e se complementar.Existe de alguma forma uma linha de fratura que rompe com o tributo ao texto, presente no teatro tradicional, um rastro apenas, que permite ao espectador refaze-lo sem se prender a uma dramaturgia acabada.
O ato da performance na verdade da uma projeção diferenciada ao processo em detrimento do resultado. O ator é chamado a fazer, afirmar a performatividade a dissolver e desconstruir permanentemente os signos , uma estética de presença em cena, fazer o ato cênico acontecer por uma lógica interna, tomando distância de uma noção de representação dada, a aplicação de uma outra qualidade de teatralidade.
Esvaziar o conteúdo da obra e permitir que do real se revele o presente.
Os objetos são resignificados a toda hora e cada elemento estrangeiro que chega, encontra tempo e espaço para se somar ao sistema performativo. Recebe a influência dos elementos que já se encontram em interação , que se sobrepõe, sempre se ligando e cambiando o ponto de vista vigente, como uma ação em perspectiva que modifica a cada momento seu intento.

3.0 Fragmentos sobre Teatro de Rua

Teatro se descobre no próprio corpo, é energia para se ativar impulsos de expressividade e criação de movimentos – ação. É poder de se fundir.Existem estilos, técnicas e linguagens diversas que exigem experiência e conhecimento especifico, caminhos por onde o ator pode se desenvolver.
É necessário oferecer-se com disponibilidade para se descobrir, interagir e jogar.
Não comparar o próprio desempenho com o de outro, observa-lo com atenção, refletir, mas nunca se comparar. Cada um é o que é e chega onde tem condições de chegar, querer ser o outro é pura ilusão.
Ocupar o espaço, projetar-se no movimento do corpo, dilatar o corpo e os sentidos, interagir com os parceiros e com o público. São elementos básicos de um estado de presença que ultrapassa a dramaturgia da cena proposta.
A dramaturgia alcança projeção na medida que se integra e reflete a performance do corpo do ator, que atesta a energia com que se faz presente.
Expandir, alargar, dilatar, soltar, esticar, liberar, fluir , abrir são termos que definem o ato de permitir que um impulso físico se converta em expressão, imagem e ação.
Ocupar, firmar, equilibrar, em conjunto com os termos já citados designam também o ato de transformar e ocupar o espaço cênico, tanto com a inserção de signos físicos, arquitetônicos, cenográficos, quanto signos simbólicos, movimento, gesto, ação, olhar, delimitar o espaço com o próprio corpo.

4.0 Metodologia

Alguns dinâmicas e jogos que trazem referências de ocupação de espaço cênico, interatividade e disponibilidade corporal:
- Posições em que o corpo tremula nas articulações
- Torção da coluna
- Movimentos básicos de abrir e fechar braços e pernas atentos a respiração
- Com o balão , dançar em pares sem deixar cair, senti-lo na pele, enche-lo até estourar, prensa-lo no corpo do parceiro;
- Dilatar articulações, massageá-las, arejá-las, senti-las como conjunto;
- Deitados e sentados no solo, perceber o volume do tronco, buscar referencia na base do quadril;
- Dançar livremente de acordo com os ritmos que o pout pourri musical propõem, trocar os figurinos de acordo com o que o repertório musical traz a cada ritmo;
- Realizar ações repetitivas em velocidades alternadas ;
- Gato e rato com olhos vendados tendo os outros atores como muro de proteção ;
Identificar comportamentos arquetipicos, transfigura-los em objetos e a medida que usar o objeto contrair tais comportamentos;
- Jogos em dupla, espelho alternado, o que gosta e o que não gosta, ação e reação, conduzir o parceiro de olhos vendados;
- Batalha de bandos com sons rítmicos;
- Comunicação com o olhar a distância;
- Representar quem é, onde está, o que faz;
- Hiperbole e exageração de ações e sentidos;
Outras...
Apêndice - Antropologia do fazer rir

Antropologia do Fazer Rir

Projeto de Estudo Interdisciplinar
desenvolvido e proposto por Thiago Araujo
como foco atual de seu trabalho e pesquisa

Este é um projeto de estudo que visa a trazer um olhar antropológico ao campo das artes cênicas, especificamente sobre a atuação cômica.
O estudo do riso enquanto objeto filosófico, embora reconhecido por sua trajetória, não consolida o pensamento sobre o próprio ato de fazer rir. Poderíamos associar este enfoque à influência helênica (que concebe a comédia em relação à tragédia ou a comédia como o não trágico) ou ao apelo político do riso (que por sua verve irônica e dúbia denota ao mesmo tempo diversão e desconstrução do sentido hegemônico)?
Na perspectiva de conhecer um pouco mais sobre o ato de fazer rir, suas motivações e o modo como se consolida como linguagem, o estudo busca analisar ações e fenômenos cênicos, tendo como fundamento conceitos desenvolvidos dentro da antropologia cultural, associados à festa e à dádiva. Tais conceitos são especializações contemporâneas que trazem à tona de maneira significativa, noções sobre um processo de socialização a partir de rituais comunais de reciprocidade. Esses rituais, por sua vez, afirmam um simbolismo especifico e se consumam a partir da constatação performativa de que esta troca, esta transmissão simbólica – dadivosa e festiva – está em curso.

A antropologia da dádiva encontra forte impulso no olhar de Mauss:

Mauss estuda os fluxos de objetos materiais, rituais, pessoas, nomes etc. e suas dimensões simbólicas em tribos e sociedades arcaicas da Melanésia, Polinésia e do Nordeste dos Estados Unidos, entre outras - como base de sua estrutura social. O próprio autor qualifica o texto como parte de estudos mais amplos sobre a organização dos contratos e pactos no que propõe ser um sistema de “serviços econômicos totais” (um complexo de trocas que têm funções sociais, religiosas, morais, econômicas etc.). Essas trocas se operam entre os subgrupos formadores das sociedades primitivas ou arcaicas. (…) Portanto, presentes ou serviços, que se apresentariam à primeira vista na forma de ofertas voluntárias fazem parte de uma organização que torna a reciprocidade, uma obrigação. É importante ressaltar que não há equivalência, mas sempre ofertas cada vez maiores, num pacto onde um dos indivíduos sempre está em dívida com outro. (…) Como dons, são definidos objetos e ações tão diferentes, quanto presentes - cerimônias, serviços, esmolas, visitas, o consumo e a destruição de bens valiosos. Segundo a teoria, dispor de um bem, seja ofertando-o ou destruindo-o, é a base para a formação de alianças e geração de respeito. Permeados sempre por significados simbólicos diversos, os contratos são feitos com base na oferta. Dispor de um objeto significa fazer um pacto. (…) A Economia do Dom é uma forma de organização, não um tipo de contrato que se assina conscientemente. Mauss escreve: Não se está falando em termos legais: estamos falando de homens e grupos de homens, porque são eles, é a sociedade, são os sentimentos humanos (...) que se transformam em ação. Ainda assim, a noção de dádiva ou dom pode ser aplicada a relações inerentes à chamada sociedade capitalista. Do nível mais global ao mais local, encontram-se experiências que podem ser tratadas a partir daí: a relação de dívida e crédito entre países, os favores políticos em época de eleições, as festas e presentes entre parentes e amigos, os multirões e churrascos nas lajes e mesmo a relação de fidelidade entre fregueses e lojistas ou consumidores e os produtos de grandes empresas.

Após a afirmação deste campo antropológico, vemos sua aplicação não só nos rituais sociais religiosos tribais, no campo da lingüística, da semiologia, da etnologia, da analise de sociedades complexas, mas também nas análises sociológicas das relações urbanas e na própria filosofia da ciência.
Por um lado, vemos o desenvolvimento deste campo cientifico antropológico sob o aspecto praxiológico do sistema de circulação do dom pautado no tripé - dar, receber e retribuir. Por outro, veremos mais adiante, uma interpretação contemporânea acerca do sacrifício, quando observamos um recrudescimento da disponibilidade de manutenção dos rituais de reciprocidade no microcosmo cotidiano.
Isso, de alguma forma, dá vazão à contra-dádiva (Gotbout) - termo que designa o desejo do pagamento à vista e da não acumulação de relações de dívida simbólica - fazendo tornar-se comum o transformar das trocas simbólicas, em trocas financeiras ou pagamento imediato com bens, como forma de libertação daquela relação que, a princípio, não oferece obrigatoriedade aparente.
Encontramos resíduos da circulação do dom nas relações de caridade da sociedade contemporânea, menos como uma afirmação da solidariedade caridosa, do que como uma falsa moeda (Mallarmé).
Sentir-se obrigado por um favor, por uma doação, é na contemporaneidade, de acordo com concepções utilitaristas, condição dispensável, substituída ou pelo menos aparentemente forçada, por uma contra-dádiva de dinheiro ou de uma retribuição de algo que não seja realmente valioso para o devedor.
Sentir-se preso ou ligado a uma relação faz parte da construção de agrupamentos que ultrapassam o interesse material e estão expressas muitas vezes na possibilidade de diversão, proteção e afeto geradas por este encontro, a doação que impulsiona o recebedor a retribuir sem ser cobrado. O próprio fato de se estar presente e atuante num círculo de relações subjaz esta premissa, ser merecedor da dádiva e da fortuna, fundamentos de reciprocidade.
A dádiva é portanto base condutora de rituais e performatividades coletivas que tem como função social religar e permitir que indivíduos comunguem momentos míticos, imaginários comuns, que entronizem padrões e comportamentos que não são impostos externamente, mas capturados nestes atos performativos, cênicos por principio, quando são os corpos dos envolvidos que estão em questão, mídia da própria reação (Gadamaer).

É possível perceber no ato cênico elementos residuais que compõem esta dádiva em processo, tanto endógenos, entre os indivíduos que preparam e conduzem a cena, sua disponibilidade em serem co-criadores e em expressarem-se como agrupamento comunal, quanto exógenos, o ato de parar para assistir, participar, quando se nota que algo diferente vai acontecer naquele local, de se espelhar e se envolver emocionalmente.
Configura-se um acordo tácito em que o público compreende o motivo pelo qual o ator preparou aquela ação, para tocá-lo principalmente, mas também para fazer parte de seu acúmulo de experiências estéticas e comunicativas, consolidar uma cumplicidade e juntos projetarem as imagens sugeridas pela cena ao imaginário coletivo, que concebe e permite que a cena ocorra, senão como algo verossímil a realidade , mas como algo que alude os afetos e traumas de cada um.
Fusão expressa na qualidade do encontro, das ações corporais, na plenitude do momento.
Na rua este acordo é mais fugidio quanto são numerosos os fatores dispersivos presentes no logradouro publico, que desobriga a platéia de permanecer no local, exige menos de um domínio de capacidades interpretativas (Gadamer) que de uma disponibilidade a desvendar junto com o ator o código que se sugere, repetir, contemplar, estranhar, expressar o assombro, denunciar ou velar uma surpresa.
Enfim, este estado que se assoma no ato cênico de rua permite-nos constatar que uma dádiva estética e comunicativa esta sendo compartilhada, dinamizada, encontro que possibilita a demarcação desta performance.
Por isso a pergunta sobre a motivação de quem faz rir, menos por que o teatro popular seja a comédia em si que pelo fato do teatro cômico advir do costume popular. Pela forte impressão que o ato de fazer rir carrega de estar sempre em contra-senso ao sentido hegemônico da relação e dos valores que são socialmente reproduzidos, como uma chave presencial de resistência a hibridização cultural.
Independente de qualquer sentido ideológico preconizado “pelo establishment” que permite ou é infiltrado pela piada, o ato de fazer rir tem preponderância na pulverização da dádiva, frutificada na cumplicidade da diversão recíproca, o particularismo irônico e burlesco como território identitário da diversidade de entendimentos e de senso estético, através da canonização do ridículo, do desvio, na alocação desta chave de resistência dentro de um gesto sutil que invade a estrutura do conceito e promove este solapamento do sentido hegemônico.


Textos introdutórios

Os Sátiros

Pã (Faunus ou Luperco, em latim) seria uma divindade caracterizada por um homem barbudo, de cabelos desarrumados, com cascos de bode e tendo um par de chifres. Segundo a lenda, vivia entre as ninfas, em montanhas e vales, considerado o inventor da flauta, a qual costumava tocar todas as noites. Também à Pã se atribuem os sustos que as pessoas têm, quando são surpreendidas por um barulho (quiçá pelo nome, ao ser pronunciado, imitar o som de uma pancada, formando onomatopéia). Como era protetor dos animais, pastores e caçadores, o termo “fauna” deriva de seu nome latino. Nascido de Penélope (filha do rei Dríope) e de Hermes que a seduziu tomando a forma de um bode, Pã não só acompanhava o séqüito de Dionísio, como adorava correr nu por entre vales e montes, caçando ou acompanhando a dança das Dríades - conjunto de oréades ou ninfas dos bosques e das montanhas - tocando a flauta por ele inventada para conduzir os rebanhos. Por ter nascido de uma mulher com forma humana e um homem com forma de bode, do pai herdou os chifres e os pés de bode e, por sua forma esquisita, ao aparecer repentinamente diante de pessoas, o susto era tal que daí surgiu a expressão de terror “pânico”, usada para designar um medo repentino e violento. E bastante provável que os Sátiros, divindades secundárias que acompanhavam Baco, com formas físicas idênticas às de Pã, tivessem inspirado os Romanos, para seus Sátiros, embora esses tivessem orelhas mais bicudas, pois segundo a mitologia, esses também traziam em mãos um instrumento musical, normalmente uma flauta, ou, em seu lugar, uma taça e um tirso (pequeno bastão, enfeitado com um ramo de hera ou videira). Segundo a mitologia grega, os Sátiros viviam em bosques, montanhas e também regiões agrestes, representados como homens-bode ou homens-cavalo, dotados de uma longa cauda e com o pênis em permanente ereção, perseguindo as ninfas e as mênades, movidos por seu insaciável desejo sexual. No período clássico, eram intimamente associados ao culto a Dionísio. Na versão mais freqüente, Sileno - filho de Pã, além de pai dos sátiros e educador de Dionísio - era representado como um velho grotesco e sempre bêbado, porém sábio. Com o tempo, o termo sileno passou a designar os sátiros velhos. Personificações da vitalidade animal, os sátiros se distinguiam pela impulsividade, a luxúria e o amor à dança e ao vinho.

As Bacantes

Consta que as primeiras seguidoras do deus Dionísio, há uns 3 ou 3,5 mil anos atrás, foram mulheres que viram nos dias que lhe eram dedicados um momento para escaparem da vigilância dos maridos, dos pais e dos irmãos, para poderem cair na folia "em meio a danças furiosas e gritos de júbilo", como disse Apolodoro, testemunha duma daquelas festas. Nos dias permitidos, elas, chamadas de coribantes, saíam aos bandos, com o rosto coberto de pó e com vestes transformadas ou rasgadas, cantando e gritando pelas montanhas gregas. Os homens, transfigurados em silenos e sátiros, não demoraram em aderir às procissões de mulheres e ao "frenesi dionisíaco". A festança que se estendia por três dias, encerrava-se com uma bebedeira coletiva em meio a um vale-tudo pansexualistaFragmentos de “Guerra dos Sonhos” - Marc Auge

Para ele, a cultura não provoca por si só nenhuma rejeição ou incompatibilidade, na medida que continua a ser cultura, isto é, criação. Há sempre, segundo ele, um certo risco em querer defender ou proteger as culturas e uma certa ilusão em querer buscar sua pureza perdida.
Elas só viveram por serem capazes de se transformar. As culturas vivas são receptivas às influências externas. Num certo sentido, todas as culturas foram culturas de contato; mas o que elas fazem dessas influências é que é interessante.
Como exemplo ele cita os pumés e a conhecida e estabelecida história de reformulações e adaptações conseqüentes de choques culturais. "Toda imagem pode provocar um fenômeno de apropriação ou de identificação que lhe confere, em troca, uma espécie de existência autônoma e de vida própria: isso é verdade com relação à imagem material, mais ainda com relação à imagem do sonho, e ainda mais com relação a ambas, quando elas se confundem, alimentando-se o sonho de imagens diurnas e estas, por sua vez, aparecendo como lembranças ou prolongamentos do sonho que lhes deu corpo."

Como se sabe (eu não sabia), os analistas da modernidade opuseram dois tipos de mitos: os de origem, que situam num passado longínquo a gênese dos grupos humanos e das cosmologias nas quais eles se desenvolveram, e os mitos escatológicos, que correspondem ao momento moderno que faz do futuro o princípio de sentido.

"Assim", continua mais a frente, "as práticas religiosas dos dominados situam-se bem no entre-dois-mitos que acabamos de evocar: entre um passado truncado e um futuro obscuro".

Segundo Augé, a situação de entre dois mitos, em geral, favorece a imagem e abre caminho para a imaginação. Aí ele cita as experiências de xamãs africanos e representantes de religiões sul-americanas, sempre observando as potencialidades criativas e de adaptação desses para sobreviver às imposições do mundo imagético europeu. Mas, segundo o autor, essa briga acaba recaindo numa mistura de valores, de crenças e de perspectivas que destrói, necessariamente, a base antiga, da qual sobram resquícios, indícios e sonhos.

"A permuta nunca é total nem completamente evidente: as inquietudes da Igreja, seus conflitos interno sobre a estratégia da imagem são uma prova suficiente. Mas ela é realmente um dos problemas que vemos surgir de modo claro no fenômeno de colonização do imaginário: espécie de queda de braço, em que a astúcia às vezes disputa com a força para dominar as imagens do outro. O interessante é que em nenhum dos casos existe, a bem dizer, cobertura total ou sobreposição exata, pois o imaginário de uns não pode se constituir como imaginário coletivo de outros. A sobreposição sempre se desdobra, portanto, numa defasagem que complica sua leitura e interpretação".

E, para ele, o mesmo ocorre quando surgem os grandes relatos da modernidade. "O discurso moderno pretende ocupar o lugar do imaginário coletivo, reconstruir uma memória a partir de um acontecimento fundador para abrir a imaginação ao futuro". Esse acontecimento fundador pode ser, para uns, algo como a Revolução Francesa e, para outros, as guerras de independência.

Assim, mesmo em situações de conversão, algo do religioso (ou mítico) sobrevive. Mas acontece que o ideal de modernidade tende, em nome do progresso, a relegar o conjunto de adesões religiosas ao pólo da ficção, por um movimento análogo àquele que comandou o confronto entre religiões.

A conclusão do capítulo em tom de desafio:
"Evidentemente, existe o problema de saber o que é hoje a relação entre os três pólos do imaginário, mesmo que se anuncie quase em toda parte a morte dos mitos da modernidade – que passariam a ser, por sua vez, simples elementos de ficção. Abordar essa questão pressupõe, porém, uma dupla reflexão: sobre a imagem, a imagem material à qual os humanos estão ainda mais expostos e sensíveis hoje que na época barroca, que mudou de natureza a partir do momento em que se tornou móvel e sobre a própria ficção, sobre a qual pode-se perguntar também se não mudou de natureza ou de estatuto a partir do momento em que não mais parece constituir um gênero particular, mas sim desposar a realidade a ponto de confundir-se com ela.
A oficina sera na Espaço do Centro Cultural Lagoa do Nado...
para atores, cineastas, musicos, circenses.

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